FABIANO SANTOS SOUSA
O
DELETÉRIO
DO
AMOR
ROTEIRO TEATRAL
iniciado em: 4-01-95
concluído em: 30-06-2004
deletério: adj. 1. Que destrói. 2. Nocivo à
saúde. 3. Corruptor.
“Buarque de Holanda,
Aurélio. Minidicionário da Língua Portuguesa; 3ª edição. Nova Fronteira.”
Índice
1ª Parte { 1° Ato
{ 2°
Ato
2ª Parte { 1° Ato
{ 2º Ato
{ 3º Ato
{ 4º Ato
{ 5º Ato
3ª Parte { 1° Ato
{ 2º Ato
{
3º Ato
{
4º Ato
Última { 1º
Ato
Parte {
2º Ato
{
3º Ato
{
4º Ato
{
Último Ato
Ficha
técnica
Personagens
Ficha Técnica
Observações gerais
● a luz, que é uma personagem,
deve estar ao fundo do espaço em que se desenrolam as ações, no centro do
palco. Preferencialmente composta por 3 (três) refletores de 2 intensidades
(fraca e forte) cada, que serão gradativamente apagados no avançar da trama;
● o diálogo das personagens
principais entre si dar-se-á sempre nas segundas pessoas (singular e plural),
ressaltando a importância do tema e das personagens;
● ao se dirigir a entidades que,
como ele, são representações de sentimentos, o deletério julga-os como iguais,
abdicando da posição e do formalismo da 2ª pessoa. As outras entidades, no
entanto, por serem verdadeiramente nobres, dispensam este recurso, mantendo
sempre a integridade do seu diálogo.
Bibliografia dos poemas recitados:
*[ Aqui na Orla da Praia _ Fernando Pessoa ( O eu profundo e os outros eus. Ed. Records)]
**[ O Lupanar _ Augusto dos Anjos ( Eu e outras poesias . Ed. Martin Claret)]
PERSONAGENS
A - PRINCIPAIS
1. Werter Rocha → Werter(alemão)
= digno + exército = digno guerreiro
2. Maria Leda → Maria(hebraico)
= senhora; Leda(latim) = alegre
3. Olimar (o deletério do amor) → anagrama de óleo+mar (simboliza
a poluição, a mácula)
B –
COADJUVANTES
1. Adira (1ªp.) → Adira(hebraico) = sensível
2. Acácio (2°p.) → Acácio(latim) = sem maldade, inocente
3. Acrísio (3ºp.) → Acrísio(grego) = aquele que não distingue
B1 –
ABSTRAÇÕES
4. Glória (Felicidade)
→ Glória(latim) = bem aventurado
5. Alexandre (Coragem) → Alexandre(grego) = defensor da espécie
humana
6. Utopia (Perdão)
7. Elsira (Esperança) → anagrama de Israel; Elzira ou
Alzira(teutônico) = beleza
OBS.: entre parênteses estão as cores ícones para a
composição dos figurinos. A sugestão p/ Olimar é preta.
O DELETÉRIO DO AMOR
1ª PARTE
[ 1º ATO]
<Cena 1>
(Silêncio...
Um homem surge da floresta densa e para diante da Luz, no centro do
palco, dando as costas à platéia.
Permanece imóvel).
≈
<Cena 2>
(Surge uma mulher pelo lado oposto da floresta, para a certa distância,
(± 5m), dele, vira-se também para a Luz e permanece inerte)
≈
<Cena 3> (sonoplastia
1)
(Um fundo musical inicia-se gradativamente. Os dois personagens
estendem lentamente os braços até os deixarem em posição horizontal, como asas.
Quando a música para, eles abaixam os braços e finalmente se viram um para o
outro)
≈
<Cena 4>
homem: Sabes, Maria Leda. Sim, eu
te amo.
Mulher: Sabes também, Werter Rocha. Sim, eu te amo.
Werter Rocha: Sabes, assim, que te sinto como o vento,
como o sol e como a chuva. Aspiro-te como a brisa, contemplo-te como as
estrelas e venero-te como a luz.
Maria Leda: Lamento. Bem creria se me sentisses como a
fome e a sede, descrevesses-me como a aurora, ou me desposasses como a vida.
Dir-se-ia assim que me fitarias como os sonhos e almejar-me-ia como a própria
felicidade.
Rocha: Por ti meu coração não se cansa e minha
razão não se perde. Todo o meu corpo e meu ser se regozijam em uníssono por te
pertencerem. Meus dias mais cintilam devido a ti e até as minhas trevas a tua
passagem vertem luz. O que podes mais, então esperar de mim, querida? Diga-me e
mil vezes morrerei para satisfazer-te.
Leda: Descreva, simplesmente, o meu sonho.
Rocha (surpreso): Sonho?! Não te entendo.
Leda: Como eu esperava. Apenas leste meus olhos e
descreveste os meus maiores sentimentos. Não as tuas, mas as minhas emoções
sobre as tuas confusões.
(Ela se precipita a partir, mas ele a retém com um brado)
Rocha: Espera! A Luz! É este o teu sonho?
(Ela ri com descaso)
Leda: Então não saberás.
(Direciona-se ela uma vez mais à floresta; ele se mantém pensativo por
alguns instantes, mas por fim corre e a retém segurando-lhe o braço)
Rocha: Pois bem, Leda, querida. Repleta estás de
tua segurança. Eu por minha vez, aceito o mercado de minha culpa, mas antes,
faças tu que se conheça o meu sonho.
(Profundamente nos olhos ela o fita e, sem rir, diz quase que
simultaneamente)
Leda: Teu sonho? É simples! Sou eu.
(Ambos permanecem se olhando por alguns segundos; depois, ele larga o
seu braço e ela parte)
≈
<Cena 5>
(Ele retorna ao centro do palco, prostra-se diante da Luz, levanta-se e
sai pelo outro lado da floresta)
-X-
[ 2º ATO] {Obs.:
o 1º dos refletores terá sua luz mais débil}
<Cena 1> {1º monólogo para M. Leda}
(Abrem-se as cortinas e Maria Leda está sentada no centro do palco, de
frente para a luz, cuja intensidade, doravante será menor. Ela se levanta e
vira-se para a platéia).
Leda: Levanta, mulher, vamos! Levanta, Maria; que
há contigo? Homens muitos o mundo habitam assim como do amor o mundo subjetivo
é. Ganha-se e perde-se a todo momento na vida, mas realmente o que se destaca
sempre é somente a capacidade de errar.
(Volta a olhar a Luz e abre os braços)
Leda: Vamos, brilho do meu amor; transborde
minh’alma de vaidade, verdade e medo.
(Abaixa a cabeça, fecha os olhos e permanece imóvel diante da luz)
≈
<Cena 2>
(Werter Rocha caminha em direção a Maria Leda. Seus passos parecem
firmes, decididos, levando-o a só parar diante dela)
Rocha: Abraçaste conceitos com alarde
agora minh’alma está
nua
já sabes de minha
verdade
vou, pois, eu cantar
a tua
emergiste sentido
perdido
valente mo elucidou
eterno, só adormecido
que a pleno vigor
despertou
quem estrutura me deu
que me reanima,
completa?
Se o amor que nos
floresceu
peleja por uma mesma
meta
fui cego e não vi a
olho nu
a luz que jamais se
perdeu
se sonho que me
transborda és tu,
também o que te
transborda...
(faz uma pausa e analisa a reação dela que, por sua vez, permanece
parcialmente indiferente)
(Ele começa a concluir e ela o acompanha com certa ironia)
Rocha e Leda: ...sou eu.
Rocha (após mais um breve
silêncio): Está certo?
Leda: Que pena, Werter! É Tarde.
Rocha (inconformado): Tarde por que se não temos o nosso próprio
limite?
Leda: Tarde demais para errar.
Rocha: Errar? Mas o que mais hás de querer de mim?
Leda: Mais do que me dás; menos do que imaginas.
Talvez nenhum de nós realmente saiba o que é. Urge descobrirmos. Até lá, cada
um deve seguir seu próprio caminho. Pela Luz.
≈
<Cena 3> {sonoplastia}
(Leda toma as duas mãos dele, num gesto de despedida, até que ambos
partem por lados opostos)
(Um dos refletores, (o da luz fraca), é apagado totalmente. Restam
apenas 2)
Fim da parte um
O DELETÉRIO DO AMOR
PARTE 2
[1º ATO]
<Cena 1> {A luz do 2º refletor está mais fraca;
1ª parte do
monólogo de Werter Rocha}
(Entra no palco e declama para a platéia)
Rocha: Quais motivos para se amar a valer são
verdadeiros e convincentes? Qual o mapa para se ir além do “permanecer juntos”?
Qual a causa da necessidade de motivos? Do mundo, os limites são amplos. Os
meus limites são amplos. Os meus motivos são justos para mim porque eu carrego
o meu mundo; só eu sou responsável por ele. Até que ponto os símbolos que compõem
a união resistem? E fundamentalmente, além disso, até que ponto eles existem?
Ora, somos humanos, pois somos os que mais sofrem. Inventemos e batamos contra
as paredes da lógica.
(pausa)
(perambula lentamente pelo palco)
≈
<Cena
2> {2ª parte do monólogo
de W. Rocha}
(Volta-se novamente para o público)
Rocha: Concluo então que “permanecer junto” é um
complexo de motivos, regidos por um motivo maior denominado Amor. Recebe quando grafado a inicial
maiúscula, personifica-se e quando simbolicamente representado, tenta
reproduzir o órgão mais importante da máquina humana da vida. Inqualificável
pelos mais céticos ou sábios, colocado sempre entre o sacro e o profano, é o
Amor apenas a fantasia que para sempre desafiará, (e desafia), aos homens. Por tudo
isso e por muito mais, amar só se aprende amando e só amando se mantém...
(sucede-se mais um breve silêncio, depois continua)
Rocha: Meu dilema não é mais o espaço que
perfeitamente me acolhe no sonho vão de Maria Leda. Não perdi uma namorada, nem
ganhei um dilema. Nada quero de teus símbolos, Leda. Muito menos os ser. Pouco
me importo em não ser teu sonho; nem sei se sonhos saudáveis são.
(mais uma pequena pausa)
Rocha: À parte isso, és a mulher que amo e me
fizeste crer que, outrossim, me amas.
(a passos decididos deixa o palco).
-X-
[2º ATO]
{2º monólogo p/ M. Leda}
<Cena
1> (fundo musical)
(Maria Leda adentra lentamente o palco, deita-se no centro com o rosto
voltado para o alto, os braços estendidos e começa a recitar)
M. Leda: “Aqui na Orla da praia, mudo e contente do
mar
Sem nada já que
me atraia, sem nada que desejar,
Farei um sonho,
terei meu dia, fecharei a vida,
E nunca terei
agonia, pois dormirei em seguida.
A vida é como
uma sombra que passa por sobre um rio
Ou como um passo
na alfombra de um quarto que jaz vazio;
O amor é um servo
que chega para o pouco ser que se é;
A glória concede e
nega; não tem verdades a fé.
Por isso na orla
morena da praia calada e só,
Tenho a alma feita
pequena, livre de mágoa e de dó;
Sonho sem quase já
ser, perco sem nunca ter tido,
E comecei a morrer
muito antes de ter vivido.
Dêem-me, onde aqui
jazo, só uma brisa que passe,
Não quero nada do acaso, se não a
brisa na face,
Dêem-me um vago
amor de quanto nunca terei,
Não quero nem gozo
de dor, não quero vida nem lei.
Só, no silêncio
cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
Quero dormir na
distância de um ser que nunca foi seu
Tocado do ar sem
fragrância da brisa de qualquer céu.”
(pausa)
Ah! Fernando Pessoa, o indisciplinador de almas! Um dos maiores
representantes da prisão da personalidade. Aqui entrego meu ser a todas as
sensações já por ti cantadas...
(junta os braços, fecha os olhos e adormece).
-X-
[3º ATO]
<Cena
1>
(Entram no palco três novos personagens, dois homens e uma mulher. Eles
param em volta da moça que está deitada na mesma posição do ato anterior e a
observam por alguns instantes. A primeira personagem, (que é a garota),
abaixa-se para melhor observar a moça inconsciente. Segurando-lhe o braço,
tenta verificar-lhe a pulsação)
2ª Personagem: Ela está morta?
1ª Personagem: Está dormindo, acho eu.
3ª Personagem: Ou desmaiada...
(A garota tenta despertar M. Leda com leves palmadas na face)
3ªP: Devemos chamar socorro médico?
2ªP: A polícia, talvez...
≈
<Cena 2>
(Entrada de outro personagem já declamando a fala)
4ª P: Não é preciso chamar ninguém.
1ª P: E quem é você?
(de olhos fechados, ainda parecendo inconsciente, a própria Maria Leda
responde)
M. Leda: Ele é o Deletério do Amor.
(Os três novos personagens confusos e espantados olham juntos para M.
Leda)
4ª P: Como vistes, ela muito me conhece.
1ªP: Vamos embora, pessoal. Acho que Lea nem
está dormindo.
(Os outros dois olham com descaso para M. Leda que permanece na mesma
posição, da mesma forma)
3ª P: Mas que piada sem graça!
(Os três deixam o palco)
-X-
[4º ATO]
{Obs.: Toda a 1ª cena se passa
c/ M. Leda inconsciente}
<Cena 1>
(O Deletério do Amor estende as mãos para Maria Leda e ela, ainda de
olhos fechados, se levanta e segura as mãos oferecidas)
Deletério: Pensavas em mim, querida?
M. Leda: Sim.
Deletério: Isto é ótimo, posto que de tua vida agora
sou parte.
M. Leda: Sim, porque meu inconsciente roubaste.
Porém, deves ter orgulho disso? Nunca me hás de ter por inteira.
Deletério: Por que te rebelas contra mim? Achas que
maculei teu romance? Que enjaulei a tua vontade? Qual jardineiro planta flores
onde só há rochas? Vês comigo algum pêndulo hipnotizador? Não, Leda. Todas as
armas que dispus e disponho pertencem a ti e tu mesma mas deste.
(M. Leda abaixa a cabeça, tristemente)
M. Leda: Sim. Tens, infelizmente, razão.
Deletério: De fato, se tivesses agarrado com força, o
teu amor pelas mãos, meu próprio deletério lo seria.
M. Leda: Mas
sei, pelo menos, que Werter me ama.
Deletério: Já não aprendeste que é nas rochas que
morrem as sementes?
M. Leda: Por que estás fazendo isso conosco?
Deletério: Se sois humanos, por que o não faria?
M. Leda: Eu te odeio!
Deletério: Não. Deveras tu me amas.
M. Leda: Por mil vezes preferiria a morte.
Deletério: Veremos. De tua força, o fim, será também o
fim de todo o amor do Universo.
(Ele se retira e ela torna a deitar-se no chão em sua posição inerte)
≈
<Cena 2>
(Os três personagens que iniciaram o ato anterior retornam e percebem
Maria Leda ainda estendida no chão)
2ªP: Hei! Aquela mulher ainda está ali!
1ªP: Onde está o que se disse amigo dela?
(Observam os arredores sem encontrar nada)
3ªP: Por aqui não há ninguém. Deve ter ido
embora.
1ªP: Será que bem agimos a deixando sozinha com
tal homem? Pareceu-me ele meio estranho...
3ªP: O sujeito poderia perfeitamente ser um
maníaco, um facínora...
2ªP: Mas a jovem, de certa forma, identificou-o.
3ªP: Ele pode ter simplesmente se valido de
técnicas de ventriloquismo. Lembram-se de que ela nunca pareceu ter recuperado
a consciência?
1ªP: Estás plenamente certo. Pelo bem da jovem,
devemos considerar todas as hipóteses. Acho melhor a levarmos a um hospital.
(Nesse instante, M. Leda desperta e senta-se, ainda parecendo
atordoada. Leva a mão à testa e olha para os três)
1ªP: Tudo bem contigo?
2ªP: O que aconteceu?
M. Leda: Eu não sei. A última coisa de que me lembro
é de ter deitado aqui para recitar um poema. Costumo fazer isso quando estou
angustiada. Devo ter adormecido.
3ªP: Seu sono, pois então, é de pedra. Há uma
hora estivemos aqui, encontramos-lhe no mesmo estado e lhe chamamos várias
vezes, mas você não despertou.
2ªP: Sim; então apareceu um homem dizendo que
lhe conhecia. Fomos embora e agora que voltamos encontramos novamente você aí,
da mesma forma.
M. Leda: Digam-me como era esse homem.
2ªP: Era um tanto estranho, de aparência
sombria. E tem mais uma coisa: enquanto você dormia, chamou-o por um nome
estranho, do qual não me recordo.
1ªP: Chamaste-o Deletério do Amor.
(M. Leda fica muda, a refletir por alguns instantes; depois torna a
falar)
M. Leda: De algo mais vos lembrais?
(Os três meneiam negativamente a cabeça)
1ªP: Mais nada. Perdoa-nos por tê-la deixado
sozinha com alguém que não estávamos certo se conhecias ou não. Ele pode ter...
(Leda, interrompendo-a): Não te preocupes. Nada ele me fez.
3ªP: Como você sabe?
(Leda sorri fracamente)
M. Leda: Ele me quer o sentimento, não o físico.
2ªP: Você o conhece mesmo, então?
M. Leda: Não sei.
1ª P: Precisarás de ajuda para ir a algum lugar?
M. Leda: Não. Por mim já fizestes demais. Muito
obrigada por tudo.
3ªP: Tem certeza de que está bem?
M. Leda: Sim, obrigada.
(Ela se retira e os demais também deixam o palco)
-X-
[5º ATO]
{1º encontro
do Deletério do Amor com o seu oponente}
<Cena
1>
(As cortinas se abrem; Werter Rocha e Maria Leda estão no palco,
direcionados um ao outro)
Rocha: Leda; precisamos conversar.
M. Leda: Acho que assaz já conversamos.
Rocha: Pois bem, se nada me tens a dizer,
escuta-me ao menos. Não pensaste realmente que nossa singular história tão
pifiamente se findaria, não é?
Leda: Não eu que pensei apenas. São evidências.
Irrefutáveis. O que mais te falta para esclarecer?
Rocha: Simplesmente o motivo... A razão... O por
quê.
Leda: Quem disse serem necessárias tantas
justificativas? Mais claro é, pois, que se elas são cabíveis, então todo o
resto deve ser em vão.
Rocha: Mais como fuga soa-me tua retórica, Maria.
Leda: Não tenho por que fugir.
Rocha: Diga-me apenas por que me abandonaste.
Leda: Parece ainda ser cedo para definitivamente
concluirmos esta conversa.
Rocha: Como pode ser cedo se já eu amanheci longe
do meu amor? E tu, mulher, já não mais me amas?
Leda: Isso não é...
(Rocha a interpela)
Rocha: Apenas diga sim ou não!
(Ele procura olhá-la nos olhos, mas ela os desvia)
Leda: Ainda te amo, Werter. Muito.
Rocha: Então, por quê?
Leda: Estou confusa... Tu também o estás.
Rocha: Quem disse?
Leda: Não é verdade?
(Rocha permanece calado e ao mesmo tempo espantado. Sua expressão é de
incredulidade, afinal, sua impressão até ali era a de que com extrema
facilidade negaria determinantemente aquela afirmação. No entanto, constatou
que algo em seu imo insistia em dizer que ela estava certa)
(Leda, então prossegue)
Leda (apontando para os
refletores do palco): Vê a
nossa luz.
(Os dois se viram para a luz)
Leda: Está opaca, obscura. A luz do nosso amor
nem parece mais ter brilho próprio.
Rocha: E é minha a culpa?
Leda: Ou minha... Ou nossa. É isso que devemos
descobrir. Deixe-me agora, por favor.
(Ela sai do palco e ele se senta no centro, taciturno)
(Apaga-se o 2º refletor, restando apenas 1)
≈
<Cena 2>
(O Deletério do Amor entra sorrindo e se aproxima de Werter Rocha)
Deletério: Meu caro, Werter, por que te permites que a
face se cubra de tristeza?
Rocha: Tu, quem és?
Deletério: Olimar,
a seu dispor; (diz, estendendo a mão
para um cumprimento) um grande amigo
de Maria Leda e teu também, por conseqüência.
Rocha: E o que queres?
Olimar: Ajudar-te.
Rocha: Foste mandado por Leda?
Olimar: De forma alguma. Vim porque eu quis.
Rocha: Não pode nos ajudar. Ninguém pode. Apenas
de nós depende...
Olimar: Errado. Depende somente de ti.
Rocha (fitando-o ressabiado): O que queres dizer com isso?
Olimar: Que depende toda vitória apenas que se
derrote o oponente.
(W. Rocha se levanta para
encará-lo desafiadoramente)
Rocha: O que insinuas?
Olimar: Então Maria Leda não te falou sobre ele?
Rocha: Sobre quem? Basta de insinuações! Seja
direto!
Olimar: Sobre o outro...
(desfruta prazerosamente em seu imo da transformação da expressão do
seu oponente, transtornado pela revelação surpreendente. Rocha nada diz)
Olimar: O outro indivíduo que balançou o seu
coração. Ou pelo que achas que ela te pediu um tempo? Está dividida.
Rocha (exaltando-se): É mentira!
Olimar: Infelizmente não. Ela me conta tudo o que
sente.
(W. Rocha fica desconsolado)
Rocha: E quem ele é?
Olimar: De vós, o deletério do amor.
Rocha: Diga-me o nome do miserável.
Olimar: Por que a ela própria não perguntas?
Rocha: Como posso, se não me quer ver e não sei
onde a encontrar?
≈
<Cena
3>
(O deletério aponta a porta lateral direita do palco e por ela, adentra
Maria Leda, a passos lentos, como que em transe)
Olimar: Ei-la.
(Ela caminha e para próxima a eles)
Olimar: Ele já sabe de tudo, Leda. Diga-lhe agora o
nome de seu oponente.
(Ela parece mesmo estar em
transe, mas Rocha não percebe)
Leda: Olimar.
(Rocha olha espantado para o
deletério)
Rocha: Tu?
Olimar: Sim. A mulher de tua vida agora me
pertence.
Rocha: Maldito!
(Num ímpeto, Werter Rocha avança e esmurra o deletério, derrubando-o.
Este se levanta e desembainha um florete)
≈
<Cena
4> {sob música intensa e
vibrante}
(O deletério investe contra o desarmado Rocha que apenas se vale de
técnicas de esquiva. M. Leda, de costas para o palco, ignora a luta. As
implacáveis investidas do deletério persistem até que Rocha é ferido na face)
≈
<Cena
5>
Olimar (ofegando, mas com um
sorriso de triunfo):
Proponho-te que desistas, Werter Rocha e apenas o teu amor morrerá.
(Rocha tateia o sangue do
ferimento na face)
Rocha: É, pois, incomensurável o teu engano,
verme. ‘Inda que se fossem todas as pessoas, o amor permaneceria.
Olimar: Vale mesmo tanto assim lutar por um amor
que já te deixou?
Rocha: Tudo pode nos deixar, mas a esperança, definitivamente
só a perdermos se não lutamos.
Olimar (preparando-se para
novo ataque): Pois que seja a
tua luta, como a de Maria Leda, a morte dessa esperança e dessa ilusão.
≈
<Cena
6> {mesmo fundo musical}
(Nova investida de Olimar e
recomeça a luta. M. Leda permanece impassível, na mesma posição)
Olimar: Cego estás pelo despeito e pela piedade de
ti mesmo. Não vê que não tens armas, posto, não tem chances?
(Rocha permanece mudo, apenas se
esquivando dos ataques)
(O florete de Olimar rasga parte da cortina do palco. Rocha apanha o
retalho de pano e quando Olimar investe, laça seu braço, arrebatando-lhe com
violência para junto de si. Os dois se atracam num duelo corpo-a-corpo e o
florete cai. Rocha, por fim, vence a resistência de Olimar e usa o pano para
tentar sufocá-lo)
≈
<Cena
7>
(Neste momento, M. Leda surge por
trás de Rocha, apontando o florete para suas costas)
M. Leda: Largue-o.
Rocha (lamurioso): Não, Maria! Não, meu amor!
M. Leda: Largue-o e vá embora agora! Para sempre!
(Olimar, apesar da aparência
exausta, sorri. Rocha o larga no chão e não torna mais a olhar para qualquer um
dos dois)
Rocha: Pois bem. Que fique aqui sepultado todo o
nosso amor.
(Leda olha para o deletério e em seguida abaixa a cabeça; sua expressão
é de tristeza profunda)
(Rocha sai do palco)
(Olimar se levanta completamente,
aproxima-se da moça e lhe estende as mãos)
Olimar: Vamos, meu amor.
(Ela se precipita a sair do
palco, ignorando-o. Ele permanece pensativo por alguns instantes, depois também
parte)
{APAGA-SE COMPLETAMENTE A LUZ}
FIM DA PARTE
DOIS
O DELETÉRIO DO AMOR
PARTE TRÊS
[1ºAto]
<Cena
1> {Cenografia:
{ cenário: a floresta. Há penumbra devido à
ausência da luz dos refletores. No centro do
{ palco há uma mesinha branca e sobre ela
brilha a luz de uma vela verde.
(Uma jovem loira toda trajada de
verde, [vestido, botas, arco, pulseira, etc.], entra no palco carregando um
belo buquê de flores. Cruza lentamente o cenário, entrando por uma extremidade
e saindo por outra, sem nada dizer...)
≈
<Cena 2> {sem a mesa e a vela}
(Entram novamente os três coadjuvantes. Param no meio do palco e se
põem a conversar em voz baixa)
(Entra Werter Rocha, passa por eles meio que distraído, mas tem a
atenção despertada pela personagem feminina)
1ª P.: Hei! Espera!
Rocha: Desejas algo, senhorita?
1ªP.: Por acaso, não viste uma bela jovem aqui
por perto?
Rocha (sorrindo): Claro! Se está bem diante de mim agora...
1ªP.(aborrecendo-se):
Falo sério.
Rocha: Perdão... Não vos quis estorvar.
2ªP.: Referimo-nos a uma dama de cabelos dourados, totalmente
trajada de verde, como um jardim sob o sol resplandecente.
Rocha: Certamente não a vi. Dificilmente deixaria eu de
notar uma dama assim.
1ªP.: Vimo-la seguindo próximo a este percurso.
Rocha: Trata-se de alguma parenta vossa?
2ªP.: Não, mas estamos preocupados. Há um sujeito de
aparência estranha também a rondar por estas bandas.
Rocha: Como é esse tal sujeito?
3ªP.: Ele tem um nome engraçado. Qual é mesmo, Adira?
1ªP.(Adira): Deletério do Amor. Certamente não há de ser o
seu verdadeiro nome.
Rocha: Perfeitamente, senhorita. Seu nome real é Olimar.
2ªP.: Ele é seu amigo?
Rocha: Maldito seja! Não! Antes preferiria escorpiões e
víboras ter por amigos.
Adira: Mas tu o conheces...
Rocha: Pouco, mas o suficiente para tê-lo quase matado.
3ªP.: É ele um maníaco?
2ªP.: Facínora?
Rocha: De nenhum mal sei que tenha cometido, além do
assassínio de minh’alma.
Adira (com certo desdém): E de que forma, diante de ti,
concebeu tamanha injúria?
Rocha: É algo pessoal a que me resguardo os detalhes.
2ªP.: Mas além de você, ele também sondava uma jovem dama
que encontramos por aqui.
Rocha: Estais, pois, a encontrar damas jovens por demais
nestas bandas. Como se já não vos bastasse a que em vossa companhia trazeis.
(Adira sorri por um instante, sem conseguir conter a lisonja.
Rapidamente, porém retoma a expressão séria e determinada que lhe é peculiar)
Adira: Ela não parecia plenamente serena quando a deixamos,
embora já não estivesse tão indefesa quanto do primeiro encontro que tivemos.
3ªP.: Sim. Quando o tal deletério apareceu e se ofereceu
para cuidar dela.
2ªP.: Meio a ‘contragosto’ fomos, mas logo adiante,
arrependidos, retornamos. Aparentemente então, ela despertou, embora não tenha
aberto os olhos e revelou-nos que conhecia mesmo o homem.
3ªP.: Assim como você, ela parecia também não cativar pelo
sujeito muita simpatia, embora seu respeito por ele fosse grande.
Adira: Respeito ou medo.
Rocha: E como se chama essa tal dama?
3ªP.: Puxa, é mesmo! Esquecemos de lhe perguntar.
Rocha: Não é necessário. Acho que sei de quem se trata.
Adira: Sua alma?
Rocha (fita seriamente a mulher antes de responder): Não
mais...
-X-
[2ºAto]
{Cenografia: ambiente sob penumbra, onde
predominam as cores preta e vermelha, (cortinas, almofadas, etc.). No cenário,
dois abajures, (um claro e um escuro) de luz fraca, uma poltrona grande, estilo
antigo, para o deletério, uma cadeira comum para M. Leda, uma mesa de centro,
ou revisteiro, (com algumas revistas), no centro da sala e uma mesinha com
telefone num dos cantos. A poltrona e a cadeira devem ficar a uma distância
média e M. Leda deve folhear a revista, sustentando-a diante do rosto.}
<Cena!>
(M. Leda está sentada na cadeira, folheando
a revista. Atrás dela, de pé, encostada na parede, meio ocultada pela penumbra,
está a jovem de vestido verde)
≈
<Cena 2>
(Entra o deletério, já declamando a fala,
indo em direção à poltrona que está diante da cadeira de M. Leda)
Olimar: O que me tens a dizer de teu amor, Maria
Leda; que era rocha e dissipou-se como nuvem de poeira?
(Ela responde, valendo-se da revista para
evitar olhá-lo)
M.
Leda: Deixa-me em paz,
imploro!
(O deletério se senta na poltrona e só
então percebe a presença da jovem de verde, por trás de Maria Leda. Levanta-se
imediatamente desconcertado pela surpresa e se dirige à mulher)
Olimar: O que é que você está fazendo aqui?
(dama
de verde): Acautela-te se
mesmo não quiseres que ela saiba de minha presença. Lembra-te de que ela ainda
não me pode ver. A menos que lhe queiras revelar a verdade...
(M. Leda baixa a revista e fita Olimar)
M.
Leda: Disseste algo?
(Ele, ainda olhando para a jovem de verde,
mas já tendo recuperado completamente o controle de sua serenidade, responde)
Olimar: É claro que não.
M.
Leda: Ótimo. (Tornando a erguer a revista)
≈
<Cena 3>
(Virado de frente para a platéia e dando as
costas às duas moças no palco, o deletério estabelece um diálogo simultâneo e
sincrônico com elas, embora Maria Leda não esteja ciente da presença da jovem
de verde e nem possa ouvi-la).
(O teor do discurso de Olimar é na 3ª
pessoa porque, essencialmente, ele se dirige à mulher de verde)
Olimar: Você sabe por que está aqui?
(Surpreendida pela pergunta, M. Leda
abandona a revista e passa a se dirigir ao deletério, que está de costas. A
jovem de verde fará também parte do diálogo, respondendo a mesma pergunta,
sempre instantes após a resposta de Leda)
M.
Leda (parecendo decepcionada):
Eu acho que não.
(dama
de verde): Sim.
Olimar: Não que isso seja relevante. Está claro
que, ainda que as coisas não sejam como você quer, não há nada que possa fazer
quanto a isso.
M.
Leda: Estás certo. Sinto-me
ilhada no mar de desespero de minhas próprias lágrimas.
(dama
de verde): Mas também tu não
desfrutas de realização plena>
Olimar: Apesar de tudo, sei que você ainda não está
rendida e contra mim espera se rebelar.
M.
Leda: O que poderei eu fazer,
já que tão bem tudo confabulaste?
(dama
de verde): Tua vitória não
poderás impor apenas por força ou trapaça. Hás de provar de teus ideais o
merecimento.
Olimar
(com descaso): Nada me vem a
lume, no entanto, que você poderia fazer. Qual merecimento abraça sentimento de
tão débil raiz? Eu sim, não com trapaças, mas com a sóbria verdade, arrebatei o
véu hipócrita desse pretenso amor.
M.
Leda: Já conseguiste o que querias. Por que não me deixas em paz?
(dama
de verde): Na verdade,
julgando e menosprezando os sentimentos humanos, incorreste fatalmente nos mesmos
erros que eles, o que torna tua natureza apenas um singelo agravante na
caracterização de tua má conduta. O mundo não é perfeito – longe disso – mas
segue a Ordem, que pode até ser mudada, mas não violentada, sob pena da
invocação de sua ira. Pois bem, deletério; nós somos a Ira e viemos estragar-te
os mesquinhos planos.
Olimar: Cedo ou tarde terá de ser aceita minha
vitória como um ato simples de justiça. Até lá, concentre seus vãos sentimentos
contra mim e se preciso, eu os destruirei sem piedade.
M.
leda: Já chega! Vá embora! (Leda se levanta, sob lágrimas e leva as
mãos ao rosto)
(dama de verde): Fiques certo de que eles já estão agindo.
(O deletério torna a voltar-se para o palco, ignora a dama de verde e
se dirige complacente a Maria Leda, que chora de pé, ocultando o rosto com as
mãos. Toma-lhe delicadamente as mãos e toca sua face, procurando dispersar-lhe as lágrimas)
Olimar: Nada disso vale tuas lágrimas, bela dama.
M. Leda (desvencilhando-se
rudemente das mãos): Elas são
de dor, mas também de esperança.
(A dama de verde imediatamente sorri. Percebendo, o deletério deixa o
palco, extremamente irritado)
Olimar (enquanto vai saindo): Pois que sejam elas somente de dor!
(Leda torna a sentar-se e volta a chorar cobrindo o rosto com as mãos.
A dama de verde, então se aproxima e começa a lhe acariciar os cabelos.
Instantes depois, Leda se levanta, aparentando estar mais calma e fortalecida;
de forma bastante decidida sai, indo na mesma direção que o deletério. A dama
de verde, de forma eufórica, segue os seus passos)
-X-
[3ºAto] {sonoplastia em baixo volume}
<Cena
1>
(O cenário é o mesmo do início. Werter Rocha e Adira, (a personagem
feminina dentre os 3 coadjuvantes),
entram e se sentam lado a lado no beiral do palco, de frente para a
platéia)
Adira: Chamo-me Adira, e tu?
Rocha: Werter.
Adira: Um belo nome. O que fazes por aqui, Werter?
Rocha: Erro sem destino e razão, pois meu porto
seguro foi tomado e por um corsário infame destruído.
Adira: Já vi tudo. Sofres do mal de amor. De que
vale guardares tanta angústia e desespero? Não te seria melhor juntares coragem
para lutar?
Rocha: Lutar para que um morto retorne à vida?
Adira: É morto o teu amor?
Rocha: Para sempre.
Adira(espantada): Deus meu, que tragédia! Sofrera?
Rocha: Não creio. Apenas se foi.
Adira: Acidente? Assassínio?
Rocha(evasivo): Não desencarnou fisicamente. Apenas me deu
adeus e partiu para os braços de um desconhecido.
Adira(irritando-se pelo susto
inapropriado): Homens! Sempre
a se fazerem de mártires.
Rocha: O que insinuas?
Adira: Não houve tragédia. Só um fim de relacionamento.
Acontece a todos, sabias?
Rocha(também aborrecendo-se): Sim, mas não é normal. O amor é sublime,
Adira. Traz respeito, sinceridade e é repleto de uma força indizível. Não
podemos aceitar que sua deturpação seja um processo natural.
Adira: Não são imutáveis os nossos sentimentos.
Todos podemos deixar de amar.
Rocha: Sim, mas devemos, em função disso, passar
toda a vida lutando contra nosso verdadeiro amor? Tanto que às vezes passamos
por ele sem o enxergar, ou mais frequentemente, tentamos laçá-lo com tiras de
papel jogadas contra o vento. Dizem que o amor deve ser conquistado, mas não. O
amor é uma esplendorosa construção que depende de cada dia de nossa vida para
se expandir. Mas, quando nos cansamos da obra, abandonamo-la para começar
outra, buscando o espírito de aventura que geralmente só no princípio
encontramos.
Adira(confusa): É errado o maior apreço do espírito pela
aventura?
Rocha: Não diria errado, mas uma desvirtude. Após
cada desvirtude, o que nos sobrará?
Adira(após uma pequena pausa reflexiva): A rebeldia.
Rocha: E a amargura pelos sentimentos perdidos.
Adira: Deletérios que fomos dos sentimentos nobres.
Rocha: E isso que me faz estar aqui, antecipando
esta profunda angústia.
Adira: Agora compreendo e não te culpo.
Rocha(olhando nos olhos dela): E tu, bela Adira; trazes também em teu
coração um amor indelével?
Adira(devaneante): Incompreendido. Mais ainda do que o teu
próprio...
Rocha: Talvez por um dos intrépidos jovens que
acompanhas...
Adira(rindo fartamente): Acácio
e Acrísio? Claro que não. São
meus irmãos. Falando nisso, já deveriam estar de volta. Partiram dispostos a
encontrar a mulher do vestido verde. Será que conseguiram?
Rocha(sorrindo): Talvez isso explique a demora.
Adira: Engraçadinho. Seria melhor irmos os procurar?
(Entrar os dois nesse momento, acompanhados de três novos personagens.
Um homem todo vestido de amarelo e duas mulheres, uma toda de rosa e a outra
toda de azul )
2ºP.(Acácio): Não encontramos a jovem de verde, mas estes
que se dizem amigos dela.
Homem de amarelo: Perdemo-nos dela e vossa ajuda solicitamos
para encontrá-la.
Rocha: Vós quem sois afinal?
Homem: Somos andarilhos de longínqua tribo.
Buscávamos abrigo para pernoitar na floresta, quando nos perdemos.
Mulher 1(de azul): Vossos companheiros nos alertaram sobre um
possível maníaco existente na floresta e tememos por nossa amiga.
Mulher 2(de rosa): Sim. Ela é mais frágil do que aparenta.
Adira: E como ela se chama?
Mulher 2: Elsira.
Rocha: Procuremo-la, então.
Adira: Organizemo-nos primeiro. Bem conhecemos as
armadilhas desta floresta, posto que somos também andarilhos, mas de uma vila
próxima.
Acrísio: Sim. Não podemos confiar cegamente na mata.
Ela pode nos ajudar ou ser nossa pior inimiga contra o maníaco.
Acácio: Não é bem assim, irmão. Não sabemos
ainda se o homem estranho é realmente
uma ameaça.
Adira: É verdade. O mais importante, por enquanto,
é encontrar a jovem de verde.
Acrísio: E quanto à outra jovem?
Acácio: É verdade. A moça que encontramos
desmaiada. Não a devemos procurar também?
Adira: O
que achas, Werter? Disseste que a conhecias.
Rocha: Vós mesmo contastes que ela afirmou que o
homem não lhe faria mal. Preocupemo-nos então apenas com a donzela perdida.
Adira: Certo. Dividamo-nos antes de partir. Sigo
com Werter, o cavalheiro, e uma das moças. A outra acompanhará Acácio e
Acrisio.
Homem: Perfeitamente, senhorita.
Rocha: Faz-se necessário que nos apresentemos
todos para facilitar possíveis identificações no caso de alguém se perder.
Chamo-me Werter Rocha e esta ao meu lado é Adira, uma boa amiga recém
descoberta.
Adira: Os dois bravos cavaleiros que vos
encontraram são meus irmãos Acácio... (apontando-o)
Acácio: Ao seu dispor.
Adira: ... e Acrísio. (este faz apenas uma pequena reverência com a cabeça)
Homem: Saudações a todos. Meu nome é Alexandre.
Mulher 1: Sou Utopia.
Talvez estranheis meu nome, mas sou grata por vossa ajuda.
Mulher 2: Olá. Sou Glória.
Adira: Ótimo. Então não vos preocupeis. Certamente
vamos encontrar vossa amiga Elsira, certo?
Todos os personagens: Certo!
Acácio: Qual das duas belas damas dar-nos-á a mim e
a meu modesto irmão o prazer de desfrutar de tão garbosa companhia nesta busca?
Glória: Candidato-me caso não haja objeções.
Adira: Tu então Utopia e tu Alexandre seguireis
conosco.
Alexandre: Está certo.
Rocha: De tal forma, partamos.
(Os dois grupos deixam o palco, cada um por um lado)
≈
<Cena
2>
(Entra Elsira por um lado e o grupo de Acácio e Acrísio pelo outro)
Acácio(bradando): Lá está ela.
(Todos se reúnem)
Glória: Além do que esperávamos demoramos a
encontrar-te. Já nos preocupávamos.
Elsira: Cumpri, bem sabes, a parte mais dura,
instigando o inimigo.
Glória: Precisamos, ainda assim, adiantar-nos.
Acácio(estranhando e se
voltando à Glória): Não lhe
falas como a alguém perdido.
Acrísio: Sim. E vieste diretamente até onde ela
estava.
Acácio: O que realmente está acontecendo?
Glória: Segui-nos e tudo vos explicaremos pelo
caminho.
(Os quatro partem)
<Cena 3>
(M. Leda está no
centro do palco. Entra então Adira, indo até ela)
Adira: Olá!
Leda (reconhecendo-a): Olá.
Adira: Segues a te arriscar permanecendo sozinha em
tão densa floresta.
Leda: Assim como tu.
Adira: Na verdade, não estou sozinha. Além do mais,
Maria, bem conheço este território. Já tu...
Leda: Como sabes meu nome?
Adira: Um amigo teu mo contou.
Leda: Werter?
Adira: Sim.
Leda: O que tens com Werter?
Adira: Nada. Também sou sua amiga, apenas.
Leda: Com a velocidade da luz os homens arranjam
“amigas” ao término de um relacionamento.
Adira: Não sejas injusta. Tu o dispensaste e ele
muito ainda sofre por isso.
Leda: Claro. E tão prontamente apareceste para
consolá-lo...
Adira: E de Olimar, o que dizes?
Leda (após uma pausa): Nada tens com este assunto.
Adira: Tenho sim, mas não no rumo que toma. Não vim
para discutir contigo, Maria, mas para pedir-te que fales francamente com
Werter.
Leda: Nada mais nos temos a dizer.
(Entra, então, Werter Rocha)
Rocha: Perdão, Maria, mas preferiria responder o
que me cabe por mim mesmo.
Leda: Aceite, Werter. Melhor é para nós que
sigamos nossos próprios rumos.
Rocha: Então, talvez esta última conversa me faça
acreditar nisso.
Adira: Não procure argumentos, Maria. Apenas o
ouça.
Leda: Está bem.
Adira: Ficareis melhor sem a minha presença. (E sai)
Rocha: Passeemos enquanto isso.
(Ela reluta, mas aceita tomar-lhe
a mão. Saem os dois de mãos dadas por um dos lados do palco)
≈
<Cena
4>
(Entra o deletério do amor pelo lado oposto, a passos decididos e
aparentando grande descontentamento. Segue na mesma direção a que fora o casal.
Antes que entre no local, da de encontro com Alexandre, que o retém. Logo atrás dele, surgem Adira e Utopia)
Alexandre: Vais a algum lugar, senhor deletério?
Olimar: Como ousa ficar no meu caminho? Saia já da
minha frente, patife.
Utopia: Por que te aborreces? Apenas uma palavra
queremos dar contigo.
Olimar: Poupem-me dos galanteios dos seus discursos
e de suas falsas gentilezas. Será pior para vocês se não me deixarem seguir.
Adira: Tuas ameaças não nos assustam, maldito.
Vais deixar Werter e Maria Leda em paz.
Olimar (voltando-se para Adira
e sorrindo com ironia): Mas
será mesmo isso que queres, Srta. Adira?
(Todos voltam as atenções a Adira)
Adira (acuada): O que insinuas?
Olimar (já plenamente seguro
de si): É justo abraçares tão
nobre causa tendo para isso também que te sacrificar? Não tens tu também o
direito de pleitear pela felicidade?
Adira (esbravejando):
Cala-te, vil demônio! Nada tenho
com Werter.
Olimar: Sim, mas por tua vontade, ou pelas
circunstâncias? Raça decadente! Como pode esperar o bem comum se seu único
intuito é o prevalecimento individual?
(Aproxima-se tranquilamente de Alexandre e encara-o com extrema
arrogância)
Olimar: E então? Vai me deixar passar ou não?
(Parecendo perdido, Alexandre olha para Utopia, como que buscando
orientação. Ela apenas assente com a cabeça. Ele então dá passagem ao
deletério. Adira, incrédula, ainda tenta retrucar)
Adira: O que estais fazendo? Detenham-no.
(Mas Olimar parte sem olhar para trás)
Adira (sob lágrimas): Por que fizestes isso? Ele vai atrás de
Werter e Maria.
≈
<Cena
5>
(Entram os componentes do 2º grupo pelo lado oposto)
Acácio: Eles são sentimentos humanos, Adira. Não
podem agir por vontade própria.
Adira (incrédula): O que dizes, tolo irmão?
Acrísio: É verdade, querida. Assim como o deletério,
eles são personificadas abstrações.
Alexandre: Sim. Sou a CORAGEM do amor.
Glória: Eu sou a FELICIDADE do amor.
Utopia: E eu sou, do amor, o PERDÃO.
Acrísio: E tu, Elsira?
Glória: É a mais forte de nós.
Elsira: Sou a ESPERANÇA...
-X-
[4º
ATO]
<Cena
1> {sonoplastia}
(Maria Leda e Werter Rocha estão abraçados no centro do palco, sob
música romântica. Entra o deletério e se aproxima dos dois)
(cessa-se a música)
Olimar: Que comovente!
Rocha (saindo do abraço de M.
Leda, mas mantendo-a segura pela mão): Não pensaste que tão facilmente vencerias, certo, vilão?
Olimar: Recuperaste tua infundada valentia, meu
caro Werter?
M. Leda: O que de nós queres afinal, Olimar?
Rocha: Isso não mais importa. Apenas que nos
deixes em paz, ou te arrependerás.
Olimar: Esperas mesmo amedrontar-me com vãs ameaças?
Rocha: Prefiro amedrontar-te com minhas próprias
ações (e tenta avançar contra ele, mas é
impedido por Maria Leda)
Olimar (a rir com escárnio): Talvez nos empenhássemos em novo mortal
duelo.
Rocha: Será um prazer.
Leda (protestando): Não!
Olimar (ainda sorrindo): Bobagem mesmo seria. Trair-te-ia por nova
vez teu próprio pretenso amor.
Leda: Não tenhas tanta certeza.
Olimar: Basta desta pífia rebeldia. Já por demais
desperdiçastes meu tempo em tal peita estúpida. Vem a mim, Maria Leda e despeça
em definitivo teu último e malogrado sonho.
(Rocha puxa M. Leda para junto de si)
Rocha: Vem tu a buscar se coragem tiveres para
isso.
Olimar: Façamos a troca, então...
≈
<Cena
2>
(Entra Adira, cruza a frente do deletério e se posta diante dos dois)
Adira: Ele é meu, Maria.
Leda (desconcertada): O que dizes?
Adira: Segue teu qualquer sonho, que Werter a ti é
não mais real.
(Maria Leda desvencilha-se da mão de Werter sem desviar o olhar de
Adira)
Leda: Como pudeste?
Adira: Por que te espantas? Nada te tomei. Pecado
é, pois, recolher o que vai abandonado?
Rocha: Maria, eu...
Leda: Cala-te! Sejai feliz deveras os dois.
Olimar: Partamos já, mulher. A menos que queiras
ficar para também duelar com tua oponente.
(Maria Leda caminha até o deletério, apanha sua mão e arrasta-o para
fora do palco)
≈
<Cena
3>
(Entram Acácio e Acrísio. Adira e Rocha permanecem a certa distância um
do outro)
Acrísio: O que aconteceu?
Rocha: Confiei numa amizade e fui apunhalado.
Revelou-se, no fim, de presença tão perniciosa quanto a do próprio Olimar, meu
algoz.
Acácio: Adira? O que fez ela?
Rocha: Atirou-se-me aos braços para enciumar Maria
Leda.
Acrísio: Como pôde, Adira?
Adira (furiosa): Quem pensais que sois para me julgarem os
sentimentos?
Rocha: Todavia, pelo egoísmo de teus sentimentos
não te importaste com os meus.
(Ela apenas abaixa a cabeça)
Rocha: Sinto se te iludiste a meu respeito, Adira,
mas deixei sempre que transparecesse minha esperança de reconquistar Maria
Leda.
Adira: Há, sim, muitas dúvidas quanto a isso.
Quando te conheci, atônito, parecendo pouco ou nada mais em teu amor confiar,
acolheste com carinho minha presença.
Rocha: Claro. Almejando-te apenas a amizade. Jamais
fiz crer que de Maria me preencherias a vaga no coração.
Adira: Tens no fim razão. Não poderias feliz ser
comigo posto que nunca me conseguiste enxergar plenamente.
(pausa)
Adira: Mas és incapaz de também enxergar o sonho de
Maria Leda e talvez também assim caminhes por perdê-la.
Rocha: E é o que queres?
Adira: Juro-te que não. Circunstâncias
incompreensíveis em minh’alma me levam...
(Enfim, Rocha se aproxima dela e ternamente a abraça)
Rocha: Eu lamento muito, Adira. Não te querias
causar o menor sofrimento.
Adira (chorando): Perdão, Werter. Fui vil e leviana.
Rocha (apertando-a nos
braços): Não te preocupes.
Acrísio: Mas a culpa não foi só dela.
(Rocha e Adira se voltam para Acrísio)
Adira (com certa severidade): Não te intrometas, Acrísio.
Acácio: Ele tem razão. Que espécie de amor é esse,
Werter, que leva Maria Leda constantemente a questionar-te e duvidar de ti?
Adira: Nada disso me justifica a ação, irmão.
Acrísio: Como não? Talvez não seja você o melhor
para ele? O mundo constantemente nos ensina, se aprendemos a conhecer a sua
linguagem. Pense bem, Werter. Não por ser nossa irmã, mas Adira é a pessoa mais
dedicada, valente e sensível que já conhecemos. No fundo, você também pôde
perceber isso. Talvez seja a hora de você fazer uma importante escolha: seguir
o que você considera ser a voz do seu coração, ou talvez aprender a conhecer a
linguagem do mundo.
(Rocha, meio perdido, olha para Acácio)
Acácio: Concordo em gênero, número e grau com meu
irmão. Por que haveríamos de lhe entregar nosso maior tesouro senão para que
lhes sobreviesse apenas prosperidade?
(Rocha passa a fitar Adira nos olhos. A cena sugere que os dois podem
se beijar)
Acrísio: Vamos, irmã. Talvez o moço precise ficar um
pouco sozinho.
(ela parte para junto do irmão; demoram-se, entretanto, ela e Rocha
para desvencilharem o olhar)
Adira (voltando-se
completamente aos dois irmãos): O que foi feito dos jovens que
procuravam a amiga perdida?
Acácio: Se foram. Apenas disseram que não mais
poderiam ajudar.
-X-
FIM DA PARTE TRÊS
O DELETÉRIO DO AMOR
PARTE
FINAL
[1° ATO]
<Cena
1> {Monólogo para
Olimar}
(Entra Olimar, já recitando “O
Lupanar”, de Augusto dos Anjos)
Olimar: “Ali! Por que monstruosíssimo motivo
Prenderam para sempre, nesta rede,
Dentro do ângulo diedro da parede
A alma do homem polígamo e lascivo?!
Este lugar, moços do mundo, vede:
É o grande bebedouro coletivo,
Onde os bandalhos, como um gado vivo,
Todas as noites, vêm matar a sede!
É o afrodístico leito do hetairismo
A antecâmara lúbrica, do abismo,
Em que é mister que o gênero humano entre,
Quando a promiscuidade aterradora
Matar a última força geradora
E comer o último óvulo do ventre!”
≈
<Cena
2>
(Entra Elsira, seguindo até o deletério)
Elsira: Cabe ‘inda alguma sensibilidade n’alma tão
endurecida?
Olimar: Você não irá mesmo desistir, não é?
Elsira: Podes apostar.
Olimar (sorrindo, sem
demonstrar preocupação): \Mas
onde estão teus lacaios? Tremendo de medo d’ante a completa dizimação? Melhor
cumpriria você também o seu papel se lá estivesse para consolá-los. Mas não me
zango. Sei que faz por dever o estar aqui. Vou lhe ignorar até que definhe e
finalmente se dissipe.
≈
<Cena
3>
(Entra Maria Leda e caminha rumo ao deletério, cabisbaixa. Passa diante
de Elsira, ainda sem se dar conta de sua presença. Na sua passagem, Elsira fala
ao deletério, mas instigando M. Leda, a jovem que não a vê)
Elsira: E quanto a Maria Leda? Será que também
permanecerá muito tempo a ignorar-me?
(M. Leda se detém subitamente por um instante, tendo a atenção
desperta. Volta-se para trás procurando por algum sinal do que lhe instigara.
Para o olhar por um instante bem na direção onde está Elsira)
Olimar: Procuras por algo, Maria Leda?
Leda: Senti como que uma estranha presença.
Olimar: Sejam talvez os fantasmas de tua
insegurança.
Leda (voltando-se para ele e
esquecendo temporariamente da sensação estranha): Meu único fantasma és tu. Eternamente para
ti olharei a lembrar-me do meu morto amor.
Olimar: Deveras fiques certa de que muito mais
efêmera é a memória sentimental humana.
Leda: Julgas com maestria os sentimentos alheios,
não é verdade? Consideraste, todavia, o peso de teus próprios sentimentos?
Olimar: Não desperdiço o meu tempo com questionamentos
tão vãos e típicos da vossa natureza insegura. Tracei-me um caminho sem desvios
e a passo firme nele permaneço.
Leda: Mas e se eu partir? De alguma forma, tenho a
impressão de que atrapalharia bem os teus planos.
Olimar (sorrindo): És livre, mulher. Sempre o foste para ir
aonde quisesses.
Leda: E não te oporias?
Olimar: Em nenhum momento...
Elsira (intervindo pela 1ª
vez): A menos que voltes para
Werter.
Leda (novamente instigada pela
sensação estranha, pergunta a Olimar): Que disseste?
Olimar (olhando enfurecido
para Elsira): Absolutamente
nada. Estás cansada e tensa demais para seguirmos com esta conversa.
Leda: Enfim, tens razão. Vou, com repouso,
procurar refazer-me.
(Ela deixa o palco)
≈
<Cena
4>
Olimar: Parece que você optou mesmo por me afrontar,
certo, maldita reles abstração?
(E avança lentamente para Elsira)
Olimar: Mas, no fundo, eu já esperava por isso.
Creio até que já permiti demais a sua intromissão. Infelizmente para você, este
será o fim.
(Desembainha um punhal reluzente entalhado)
(Elsira precipita-se e com um pontapé atinge a mão do deletério que
está com o punhal, derrubando-o. Os dois iniciam então uma luta corporal)
{sonoplastia}
≈
<Cena
5>
(Entram Alexandre, Glória e Utopia pelo outro lado do palco, mas se
mantém à distância)
Alexandre: Precisamos ajudá-la.
Utopia: Não podemos.
(Permanecem, então, assistindo apreensivos, aguardando o desfecho da
luta.
≈
<Cena
6>
(Após alguns instantes de luta, Olimar, mais forte, desvencilha-se de
Elsira. Ela é empurrada contra a parede, batendo violentamente a cabeça e
perdendo os sentidos.)
≈
<Cena
7>
(Recuperando-se, Olimar fita com desprezo os observadores passivos;
caminha até o punhal e o recolhe. Aproxima-se lentamente de Elsira, indefesa)
(Glória se precipita para intervir, mas é contida por Alexandre. Ainda
que desolada, conforma-se...)
≈
<Cena
8>
(Parando diante da jovem inconsciente, Olimar ergue um pouco o punhal,
mas o devolve à bainha em sua cintura. Volta-se novamente aos três mais ao fundo)
Olimar: Idiotas! Suas existências já estão
condenadas, não por mim, mas pelos próprios mortais que lhes conceberam.
(Tira desta feita um laço de sua cintura e precipita-se a amarrar
Elsira nos braços, tornozelos e por fim a amordaça. Arrasta-a então para fora
do palco. Os outros três personagens recuam por onde entraram.)
-X-
[2º Ato] {cenário:
reproduz um quarto sob grande penumbra
{sonoplastia:
gradativa
<Cena
1>
(Maria Leda está deita numa cama, adormecida. Surge Adira, adentrando
silenciosamente no quarto. Em suas mãos, o punhal do deletério. Aproxima-se do
leito, recostando-se sobre ele. Começa a fitar a figura de M. Leda, de forma
estranha, como se reconhecesse algo. Passa a olhar então para o horizonte, como que assimilando uma grande revelação. Permanece assim por alguns
instantes e depois se levanta abruptamente e sai)
≈
<Cena
2>
(M. Leda desperta. Depara-se com o punhal sobre a cama. Devaneia por um
instante. Apanha então a arma e a prende na cintura, ocultando-lhe sob a roupa.
Levanta-se e sai)
-X-
[3º Ato]
<Cena
1>
(Rocha, Acácio e Acrísio estão no palco. Entram Alexandre, Glória e
Utopia)
Alexandre: Vem conosco, Werter. Sabemos de um modo de
reconquistares Maria Leda, teu grande amor.
Rocha (seguro): Agradeço-vos tão repentino interesse, mas
creio ter descoberto, com a ajuda de meus amigos, que Maria, talvez não seja
realmente, de meu sonho, a personificação.
Glória (desesperando-se): Não! Foste iludido. É Maria Leda sim o amor
de tua vida.
Rocha: Como tu, também eu pensava, jovem lady, e
começava a perder-me em mortificantes questionamentos sobre o quão de mim mais
poderia extrair para satisfazer a mulher que amava. Até que o destino
mostrou-me que o verdadeiro amor me aceita acolhendo exatamente apenas o que
tenho, ou seja, nem menos, nem mais do que eu mesmo. Só então percebi que ele se
encontrava bem mais próximo do que o ponto aonde o procurava.
Utopia: Adira.
Rocha: Perfeitamente.
Glória: E Adira partilha contigo do mesmo
sentimento?
Rocha: Justamente é o que lhe irei perguntar
agora.
(Deixa o palco)
Acácio (aos três, após breve
silêncio): Vocês vieram a
mando de Maria Leda?
Utopia: Viemos sepultar uma última Esperança...
(Partem os três. Logo em seguida, também os irmãos Acácio e Acrísio)
-X-
[4º ATO]
{sonoplastia: “Pétala”, de Djavan}
<Cena
1>
(Adira está sentada no beiral do palco num momento reflexivo até o
término da música)
≈
<Cena
2>
(Entra Werter)
Werter: Vim ter contigo, Adira... E por-te nas mãos
meu destino.
Adira (de costas para ele): Descobriste, afinal, que me amas, Werter?
Werter: Então, já saber?
Adira: Quero ouvir-te.
Werter: Sim, Adira, meu amor. Amo-te com todas as
minhas forças. Quero-te mais do que todo e sonho assim também te pertencer.
Adira: E quanto a Maria?
Werter: Ela não mais importa. Que fique com seu
sonho vão.
Adira: Não desprezes de forma tão simples a
incógnita derradeira de tua vida, Werter. Maria Leda e eu somos mulheres e
merecemos que nosso sonho seja elucidado pelo homem que amamos e escolhemos.
Werter (surpreendido): Não creio que, também tu me cobrarás saber
teu sonho.
Adira: Deveras. É fundamental para que partilhemos
nossas vidas.
Werter (revoltando-se): Fundamental é que vós mulheres abandoneis
vosso puro oceano de vaidades. Pensei que fosses diferente, Adira, mas és
exatamente como Maria.
Adira: Exatamente, Werter. E assim, exatos são os
nossos sonhos.
(Ele a analisa, sem compreender)
Adira: O que perdeste de teu primaz amor, hoje
encontraste em mim, e o que em mim falta para preencher-te transborda
infinitamente de Maria Leda. Julgues então, Werter, e definitivamente entendas.
(Ele pondera, fitando temporariamente o vazio. Vai saindo então do
palco, sem nada dizer. Pouco depois, Adira o segue)
-X-
[ÚLTIMO ATO]
<Cena
1>
(Abrem-se as cortinas. No palco, o mesmo cenário do início; os três
refletores estão apagados.
Olimar e Maria Leda estão no centro do palco. Elsira está ainda
amarrada aos pés do deletério)
Olimar: Já sabendo que teu sonho se esvaiu, o que
falta, Maria Leda, para minha verdade reconheceres?
M. Leda (dissimulando): Qual verdade?
Olimar (zangando-se): Eu como verdade.
M. Leda (sorridente): Queres que eu fique contigo?
Olimar: Não sejas tola. Não preparei meu império
sobre os escombros desse piegas amor mortal para atirar-me eu mesmo à
armadilha. Quero só que reconheças que o sentimento é vão, que nele não há
dignidade, menos ainda em por ele se lutar.
M. Leda: Se o fizer...
Olimar: Deixar-te-ei, sem bênçãos nem
ressentimentos.
M. Leda: E o porquê disso?
Olimar: Reservo-mo. Não te compete.
M. Leda: Se me recuso...
Olimar: Prolongas apenas o teu sofrimento, já que o
próprio Werter já planeja novo futuro ao lado da bela Adira.
M. Leda: Crês mesmo nisso?
Olimar: Por que não? O farás também tu, ‘inda que
eles próprios hajam de dizer-te.
≈
<Cena
2>
(Entram Alexandre, Glória e Utopia. Olimar os olha com desdém,
mostrando-se pouco surpreso)
Olimar: Oh, sim! Já esperava os defensores das
causas perdidas.
M. Leda: Quem sois vós?
(Não respondem)
Olimar (respondendo): Indesejáveis condenados. Vieram apenas para
assistir nosso último ato.
M. Leda: De que falas? Não entendo.
≈
<Cena
3>
(Entra Werter, já declamando)
Werter: Ele fala de nós, Maria. Quando diz “último
ato”, a nós dois unicamente se refere.
M. Leda: Mas não há nada mais sobre nós dois a ser
dito, Werter Rocha.
Werter: Talvez, mas definitivamente, as entidades
que estão aqui ainda não acreditam nisso.
M. Leda: Quais entidades? Estás louco, Werter?
≈
<Cena
4>
(Entram Acácio e Acrísio]
Acácio: Não, Maria. Somos testemunhas de que os
seres que aí estão não são pessoas, mas sim abstrações. Meros sentimentos que
por alguma razão, se personificaram para lutar arduamente pelo amor de vocês.
Acrísio: Mais especificamente, eles são Glória, a
felicidade, Alexandre, a coragem e Utopia, o perdão.
M. Leda: Por Deus, qual singular delírio abate-se
sobre todos vós? Credes mesmo verdes fantasmas, e pior, a culpá-los pelo meu
suplício? E tu, Werter, apega-te também a isso?
Werter: Apenas um fantasma existe agora, aqui,
Maria. E ele é quem está contigo.
M. Leda: Olimar? Não é um fantasma. É bem real.
Talvez seja alguém que desde o princípio só me tenha tentado abrir os olhos. E
talvez também por cativares dele tolo ciúme estejas buscando, tu Werter, estapafúrdias
desculpas para, do nosso amor, o fim. Mas nunca te dei motivo para sentires
ciúmes. Já quanto a ti, logo que pudeste, correste a consolar-te nos braços de
Adira, nossa “prestimosa” amiga comum.
≈
<Cena
5>
(Entra Adira)
Adira: Se comigo é teu problema, Maria, por que o
não resolvemos?
M. Leda: Não quero mais Werter. Podes o ter somente
para ti.
Adira: E se te disser que ele conhece teu sonho?!
M. Leda (surpresa,
fita Werter por um instante. Depois se torna novamente a Adira): Dir-te-ia que não acredito.
Adira: Diga-lhe então, Werter Rocha: qual o sonho
de teu amor?
Werter: Integridade.
(Silêncio breve, mas absoluto. Surpresa em todos)
Acácio: Não entendo!
Acrísio: Então, é só isso?!
Adira: Está errada a resposta, Maria?
M. Leda (desconcertada): Não diria errada, mas incompleta. Que tipo
de integridade?
(Adira se aproxima dela e do deletério. Fita Olimar desafiadoramente,
antes de responder a M. Leda)
Adira: O amor vívido entre ti e Werter sempre
pareceu perfeito. Até que, em dado momento, se dividiu; fragmentou-se sem que
diretamente vos apercebessem. Werter, emergido em sua paixão compulsiva, pouco
preocupado com teu desejo de expansão
e também tu, Maria; buscando aspirações elevadas e esquecendo-te das mais
simples facetas para se viver um grande amor, dentre elas sim a compulsão.
M. Leda: Tudo isso está certo, mas não deveria ser
suficiente para acabar com um amor verdadeiro.
Adira: E não fora, até a intromissão dele - (aponta para Olimar) – a mais terrível das abstrações.
Olimar: Está louca! É tudo ignóbil mentira!
Alexandre (interferindo pela primeira vez até ali): É pura verdade. Ao procurarmos sinceros motivos para que tão puro
sentimento fique ameaçado, apenas a ele encontraremos. Ele é a completa
ausência de motivos, acolhendo perfeitamente bem a alcunha de DELETÉRIO DO AMOR.
Olimar: Basta! Desistam de idiotices e aceitem a
derrota.
M. Leda: E quanto a ti, Werter? Não negaste ter o
coração dividido.
Olimar: Bem lembrado, Maria. Ou o rapaz esqueceu de
ter-se declarado a jovem e bela Adira?
Adira: Dividiu-se, sim. Mas será que de agora?
Acrísio (intrigado): Como assim, Adira?
M. Leda: Seja clara.
Olimar: Não há por que lhe dar ouvidos. Suas
insinuações são típicas armadilhas de um desesperado.
M. Leda: Cala-te, Olimar! (e se dirigindo a Adira)
Esclareças o que começaste.
Adira: Quando de Werter, exigiste na forma de teu
sonho, integridade, cobraste de teu amor algo que a própria humanidade vem
perdendo já há algum tempo: a mais completa manifestação do Amor em sua
plenitude, na maior parte dos casos só encontrada hoje dividida em 3
fragmentos: paixão, amizade e altruísmo. Também nestas partes vosso amor
dividiu-se e apenas por uma delas Werter pensou ter-se apaixonado.
M. Leda: A paixão.
Adira: Claro. O que não sabíeis é que os três
pedaços de vosso amor tão fortes seriam a ponto de se personificarem gerando
assim o que estamos chamando de abstrações.
Acrísio: Mas se você disse, irmã, que por uma delas
Werter se apaixonou e bem sabemos que além de Maria Leda, apenas por você ele
chegou a crer-se apaixonado, está então sugerindo que é você própria uma das
abstrações.
Acácio (contemplativo): Não apenas ela, Acrísio, mas nós três.
Acrísio (incrédulo): Isto é loucura. Como posso acreditar que,
de fato, inexisto.
Acácio: Pense em nosso passado, irmão. Procure em
sua memória buscar fatos longínquos de nossas origens. Assim como eu, você não
conseguirá, pois esse nosso passado jamais existiu. Simplesmente surgimos da
fascinante explosão de uma grande estrela chamada Amor.
Olimar: Seria tudo isso excepcional e fantástico se
não fosse ridículo. Emoções são sentimentos, não pessoas concretas. Não criam
simplesmente pernas e saem andando. Não creio como puderam conceber de que
Maria Leda acreditaria em história cujo nexo encontra-se tão absolutamente
ausente.
Glória: Agora só a ti, Maria, cabe decidir...
≈
<Última
Cena>
(Maria Leda tira o punhal da cintura)
{música de suspense}
M. Leda: Se és mesmo uma abstração, não te poderá
ferir minha arma.
Werter: Não faças isso, Maria!
Olimar: Ninguém a pode impedir.
Utopia: Deveras
(A música se intensifica)
(Todos permanecem imóveis. Apenas M. Leda se movimenta. Aproxima-se de
Adira e do deletério; então, abaixa-se e corta com o punhal as amarras que
envolvem os pulsos e tornozelos de Elsira, que permanecia sob os pés de Olimar)
Glória (aliviada): Ela a pôde enxergar...
M. Leda (sorrindo): Desde que entramos aqui eu a notei. E
depois que Werter entrou, tive a exata noção de como agiria. Eu te amo, Werter.
Se puderes perdoar o egoísmo de meu sonho fútil, disposta estou a tudo para
ficar para sempre contigo.
Werter (correndo para
abraçá-la): Não há mais o que
perdoar, Maria. Também te amo e amar-te-ei eternamente. Jamais para mim serão
fúteis teus sonhos, minha querida, posto que a todos viverei para realizar.
(os dois se abraçam)
Olimar: Acham mesmo que será tudo assim tão
simples, malditos? Que poderão facilmente remendar os cacos de tal flagelado
amor?
Utopia: É exatamente isso, meu caro irmão.
(Aproximam-se Glória, Alexandre, Elsira e Utopia e cercam o deletério)
(Simultaneamente caminham Adira, Acácio e Acrísio até os interruptores
dos refletores em oculta e estratégica posição ao fundo do palco. Um a cada vez
eles vão acendendo os refletores na intensidade máxima. 1º Acácio, depois
Acrísio e por fim Adira, que um pouco antes de acionar o último interruptor tem
sua derradeira fala:
{sonoplastia: música vibrante}
Adira: É o fim, Deletério!
(Nesse momento, Olimar grita e prostra-se diante da luz; Werter Rocha e
Maria Leda se beijam profundamente)
FIM
Faço
minhas as palavras e o idealismo de Werter Rocha ao defender a preservação a
todo custo do mais importante sentimento que move a humanidade. É mais do que
notório que na decorrência dos anos, cada vez mais tudo se deturpa. Nossa
expansão e consciência evoluem meteoricamente, levando-nos muitas vezes a
desrespeitar as mais maravilhosas e sagradas leis do Universo, justamente por
serem inacreditavelmente simples. Quem acredita que grandes amores existem aos
milhares para serem encontrados por todas as pessoas a todo tempo simplesmente
rejeita a sabedoria do amor poético e profético que nasceu concomitante com a
própria criação da humanidade. Muitos me tacharão de puritano, argumentando que
tal amor nem existe mais, ou fadado vai a extinção completa. Não os censuro,
muito menos fecho meus sentidos a tal assertiva. Também creio que em algum
futuro, o verdadeiro Amor morrerá. É bem mais difícil dizer isso a respeito da
intolerância, mas mesmo os chamados grandes males contemporâneos devem
sucumbir.
E então, o que restará?
Não sei, mas eu, diferente de muitos,
conservo e amo a minha esperança.
O autor
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