terça-feira, 16 de outubro de 2018

O EXTERMÍNIO DOS ENFERMOS - 2004


FABIANO SANTOS SOUSA










O EXTERMÍNIO DOS ENFERMOS






























“As aspas são o nascimento e a morte”
                                   































Para meu filho, o grande defensor




DIA

(Um)

Acordei com os meus olhos num qualquer dia
Minha mente ainda dormia despreocupada
Faz tão bem um soneto a quem dormia
A alongar musculaturas descompassadas

Talvez o sono que me tira a Estrada
Seja um verme ou vírus das ilusões dos dias
Das inevitáveis paradas dramatizadas
E do condicional desequilíbrio da poesia

Sim, a verdade dura iluminada
Dura mais porque vibra e irradia
E se morre de amores, morre errada

Minha mente acordou com a fantasia
Eu espero manter a ambas animadas
Se não podem competir com alegria





(Dois)

Nos embalos dos ventos de Milton Nascimento
Nos pesados passos da irmã Preguiça
Assisto os dias da semana copularem
Os galos cantarem enquanto ainda é cedo

Uma sombra branca acolhe os raios vis
Da estrela enlameada que os pântanos aquece
Estes raios filtrados pela sombra musa
Vertem-se em lodo sobre a minha carcaça

Nos princípios passados de um tal Jesus
Que com sua Cruz enfeitiçou as pedras
Que se libertaram para o Seu abismo

Lá descubro quem é o meu algoz
Uma sombra clara e de inevitável risco
Vigia-me sempre e seu nome é Morte.



“EXACTAMENTE ISSO”

Longe da hipocrisia eu me escondo
Junto aos olhares que querem ver o Oposto
Paralelo contente os Extremos
Alegro-me simbolicamente
Ser Original é ser Hipócrita
Choro rangendo os dentes
Sou o tornado que rodopia (exactamente isso!)
Não sinto a minha vida do outro lado da T.V.







































OUT

Amor, amor, por que você existe?
Amargo amor, de onde você vem?
Não me quer sozinho, nem com ninguém
Não me faz feliz, mas sempre triste.

Notável amor, por que você insiste
em habitar-me o peito e me fazer refém,
causar sofrimento me querendo bem?
Sempre me estimula, nunca me assiste.

Cruel amor, por que tu não desistes
rendendo-te a medos que a valer não tens?
Eu sou a flor azul que jamais pediste

Amável amor, senhor de todo aquém,
senhor de tudo aquilo que me redigiste,
voraz, tu devoraste todo o meu desdém.






























IMPACIÊNCIA

Antes, o pegar a caneta era fato
E era ato, sim de fato
Hoje, se até para pegá-la eu tardo
Ele é fardo

Preciso escrever, mas perdi meu tato
Calcei nas mãos ostentosos sapatos
Espero o talento só ter saído
E o meu orgulho encolhido.






































CARTAS

Os ferimentos são mortais
Pensamentos em cadência com dores de cabeça
Ao final de tudo, sombra e música
Rompendo cegueira com existência

A alegria é feroz
Os rostos, as sombras e barulho de sinos
Evidências de noite e de dia
Mesas vazias.

De aço e de desejo
Os íntimos mais treinados
Impiedosos soldados;
Balas e beijos.

Mais balas do que beijos
Mais armas do que medo
Princípios insanos
Dos longos anos humanos.




























MEDO

Medo de morrer
Medo de morrer
Medo de morrer
Medo, medo, medo
Medo de morrer
Medo de
Morrer de
Medo de morrer de
Medo
DE MORRER DE MEDO
de morrer, morrer, morrer de medo
Medo de viver
MEDO...
MORRER...
Morrer de viver
Morrer
De viver de medo
de morrer de viver de medo
de persuadir
por medo das expressões desafiadoras
Sem medo
Eu te trouxe Deus...



Medo de Deus
Medo de morrer
de medo de viver de Deus
Medo de viver de rostos
E reles crenças
de morrer de Deus.

Expressões tentadoras
Desafiadoras
A esfinge do medo
Aquele que não se teme
Aquele que não morre nem vive
de Deus
Medo de errar
e do deus Medo.







RESTOS DE UM ROSTO

Santos Sousa está fraco e calado
Precisa de idéias; debilitado
Tão bocó o coitado!
Sentado, com o rádio e a televisão ao lado,
ligados
não nas notícias, mas no passado.
Pobre amigo Sousa, coitado!
Tão infeliz, desolado
O peito apertado
por não mais saber o enunciado
do hino que outrora tivera cantado
Bebe seu chá por demais gelado,
come sua pizza de “topping” estragado
Olha atônito, papel embolorado
e abusa do Particípio Passado
em versos que pecam, mas são rimados.































PREGUIÇOSO

Que sono!
Que pressão e ainda o peso
para as pálpebras dos olhos descerem
Estes olhos que perderam a curiosidade
fatigados sempre pelo esgotamento do tênue espírito
hoje arriam
e tropeçam nas ideologias pedantes
da vida com disposição.






































ANÔNIMA

Ah, mulheres com caras de santa e putas de vidro...!
Desequilíbrios, mas não sem arrogância
Todas as bocetas são iguais
Todos os clitóris são assaz vaidosos
As Mulheres, a América, a Europa, é tudo o mesmo tédio.










































DE REPENTE

Tenho comido e repetido os excrementos de meu passado
Tenho feito para o mundo um pódio de meus sentimentos
Tenho dormido pouco, comido mal e muito expirado
Tenho deglutido os tremores que geram meus tormentos

Tenho pouca fé, pouca esperança e tenho covardia
Tenho meu tesouro e não o sei polir
Tenho a felicidade e quero desistir
Tenho um só futuro e quero o dia-a-dia

Tenho o meu amor que me cobre e consola
Mas se não me consola, sinto realmente o frio
O que se irá dizer da aura iluminada?

Tenho a força de meu pai e a forca de meu tio
Tenho a barca inanimada que me desatola
Tenho um filho e uma esposa que ainda é namorada






























PALAVRA

Assombroso poder o da palavra humana
Que conduz a mentira ao Pai com gana
Barganha astuta de lábia ufana
Acaba infeliz porque O não engana

“Quanto trabalho!” – a tal proclama
Justa semente plantada na lama
Nascida do léu, vira réu, reclama
Desfalecer na terra e não na cama

Gloriosamente impura, pura lusitana
Ferrenha comigo ostentosa dama
Da-se amor a quem muito ama

Palavra que não cria; clama
Humanidade que não inspira; trama
Luz que não brilha; flama...






























CLAREZA

O extermínio dos enfermos é a superação
das doenças sociais incorporadas
do DNA e das psiques manipuladas
da massa maquinal da submissão

É a vitória antes da conquista
são os últimos suspiros após a morte
a intolerância com a dúvida e com a banal sorte
É a realidade concreta e otimista

Não saiamos perseguindo moribundos
que assim o são porque não se conhecem
mas nós também não nos conhecemos

As enfermidades são como o mundo
porfiam sobre os que padecem
em nossos próprios horrores nos perdemos.






























ABRACE O SEU LIMITE

Abrace o seu limite
seu limite teu
aprenda que o limite é o pai do teu medo
respeita-o que é parte de ti

mas não seja o bastante para malograr-te
autoridades não rimam
são apenas esquecidas sombras num caos contínuo
sobram quais valores entre vida e morte?

Abra teus olhos, mira-te
Os valores são reis que não servem o Comércio
Agora tu sabes que és teu rei

Livre, pois, teu medo, teu limite
é teu: teme e limita-se como a ti
incorporados, cegos, mas felizes






























MANIFESTO

I

            As pessoas não sabem aprender com os seus erros. Não lhes guia em nada o sofrimento. Quanto mais sofrem, mais amargas se tornam. A violência que vêem, rapidamente incorporam. A justiça que as derruba é o que mais cavalgam.
            Esta é a terra desgovernada onde a paz acalenta os cemitérios e nasce sempre a alegria sem raízes.






II

            Quando o véu do pecado se abrir e o coração, uma única vez enfim for sincero, eis que haverá uma guerra onde fortes serão os que se sabem fracos e ao findar do embate os humildes não serão mais alvo.
            É horrível ser alvo!
            Dá-nos a sensação de sermos impuros, quando, na verdade, somos reis.
























A MORTE DA PRINCESA

Quando morrem os símbolos ficam as dúvidas
E volta a humanidade aos seus questionamentos primitivos
A Lei é sublime e acessível
Sonhos é que são débeis divindades
Cortejando tudo o que sibila
Desejando contemplar além do horizonte
Os homens preservam o que ainda há de pueril
As lágrimas são um prêmio ao sentimento do mundo







































SUPER

Da simplicidade como da doença
Os fatos, as notas que aparecem e desaparecem
O insistente significado de tudo pra tudo
Da vida como da dieta
Felizes e infelizes no inconsciente mortal
A sabedoria é uma coisa que se pode jogar fora.

Do escuro à poesia
Que o cansaço voraz não vê
Mente e libido se distorcem
Até chegarem raios neutros de uma estrela

Definham Heróis e heroína
Ser meu próprio herói...
O poder das máquinas que pulsam
Jogos convenientes, sutilezas
O que é, então, ser herói?
O que eu puder e o que eu quiser...





























OLHARES BURROS

Pra que lado posam os heliantos?
Não têm olhos, nem olhares burros
Só têm fúria; são diamantes
E é melhor permanecerem mudos

De onde vem tanta ignorância,
em grandes fragatas, mas inseguras
Deixam estupidez e náusea
nas mentes jacentes do mundo

Com demérito chegam de helicóptero
Guerreiros fracalhões, parvos portentosos
Sua curra é o que entontece os girassóis
e a comiseração é o que resta

































EUTANÁSIA

Não há assassínios de ações e de momentos
Eutanásia de sentimentos
Como há perda de vozes não há de lamentos
Eutanásia de sentimentos

A comida difere dos alimentos
Eutanásia de sentimentos
Levita-se a verdade como pó os ventos?
Eutanásia de sentimentos

Ora, se apodrecem as frutas,
as ribeiras secam,
a chuva a água suja,

quando à força, à beleza
concede-se do vigor as asas,
enfim, eutanásias.





























O BEIJO (1)

É lícito sonhar com o beijo proibido
Devanear sob o abraço repleto de desejo
A memória é um trem que vaga em círculos
Está a linha da vida sobre as nuvens

É lúcido alimentar outras frustrações
Acordar tendo à boca o gosto doce
Lavar o rosto sob o perfume surreal
Perdendo várias horas com isso?

Sincero é irromper até as portas da proibição
Unir num beijo vibrante eterno
Gerar filhos de lamúrias

Alar o desejo e descê-lo do expresso
Fitar apenas sentimentos autênticos
Tão autênticos quanto este soneto.






























O BEIJO (2)

Acordei com um beijo teu e era sonho
Presente da visita do deus Sono
Anseio, por conseguinte, pelo seu retorno
Na luz este teu beijo estava morno.











































DOGMA

Parti daqui sem segundo aviso
Tomai certeza do que fizeste
Vereis frutos como resposta
Vede e fugi com os vossos olhos ambíguos

Descobri certamente a verdade
Para que vos orgulheis disso
Não da verdade, mas o sabê-la
Ou não voltai se não compreenderdes.






































FISSURAS

Ela se atirou nas pedras que atraiam
Sabendo que poucos lá seu corpo encontrariam
Um teste a todo amor que mereceu
No mínimo, mas certamente eu

Encontrei-a e tenho agora também que descer
Para buscá-la ou, outrossim, morrer
É difícil aceitar conclusões que os fins das coisas geram
Mesmo as que não se viveram

Atirou-se nas pedras que a traiam
De lá su’ essência jamais trariam



































HERÓI

Brilha um homem como um sol
Um efeito só em máxima energia
Palavra de herói em um paiol
Vem poder, mas sem alegria

Alguém explodindo sem estilhaços
Corrosivas lágrimas sobre o ácido
De um homem que não tem medo
E sim sangue nos dedos

Transpira ele agora luz
Espanta insetos arrogantes
Em estado que só ao seu próprio ser faz jus
E bebe ácidos refrigerantes

É este homem um humano
São seus poderes, insanos
Destruidores da realidade
Impostores da felicidade
Deve um dia, nunca precisar
Ainda assim, pode até matar.


























LOUVOR

Em homenagem a ninguém, esqueci-me de mim
Não devo ser alguém que homenagens mereça, (mas dane-se)
O que infecto de palavras e idéias me deixam
deixem-me como me deixa o catarro:
se não limpo, hipocritamente sociável.










































SURGIMENTO

Vou ao encontro dos meus sonhos
Esta noite tão bela
Trouxe e tão real
O semblante alternativo de um futuro
Eu sei, eu sei, Freud e a velha teoria do Id

Este prédio lindo, olhe amor, como ele é lindo!
Uma escada para o céu feita com fogo e com neve
Aí eu queria morar contigo
Atente que maravilha, amor
Nossa casa no limite dos céus
Linda! Exuberante!
Não o limo e o bolor da madeira úmida
Que podre vai-se rompendo
Sou sonhador, culpado como o são todos os sonhadores

Não pare, não podemos perder as imagens
O living, a música suave se propagando
O mar, amor, olhe como está aquém
Molhando os pés de nossa doce prisão
Vai alta a noite e estamos na praia
A passear; vamos, dê-me tua mão
Hoje é domingo?
Se não for passeamos após as aulas
Depois voltamos num salto ao nosso cantinho
Já contamos estrelas, nos beijamos na boca, trocamos o abraço

Vamos dormir e eu implodir o nosso prédio
O prédio lindo
O prelúdio de um monte válido de felicidade
Tanto sonho vão
Se tua vida não partilhares comigo
O sossego é a nossa estratosfera
A tua ressonância é a minha música
Paredes embriagadas com teu perfume são o meu castelo
O teu amor são as muralhas que ninguém tomba











TAL


HIPOCRISIA, APATIA, COMISERAÇÃO, INTOLERÂNCIA, PREPOTÊNCIA.
HIPOCRISIA, APATIA, COMISERAÇÃO, INTOLERÂNCIA.
HIPOCRISIA, APATIA, COMISERAÇÃO.
HIPOCRISIA, APATIA.
HIPOCRISIA.
LIBERDADE!







































SOB MEDIDA

Jesus era muito autoritário
mas se esqueceu de dizer
Ele é Rei como o Pai O quis Rei
As trombetas dos anjos são zumbidos diante da sua voz
Os tremores de terra nada são perante os seus passos
Ele era egocêntrico e déspota como todo rei que se preza
mas se esqueceu de dizer
Move-se ao comando do Criador, pois é o braço direito de Deus
Não teme perder autoridade, pois Satanás nada é
Seu reinado não há de ter oponente digno
Ele é o eterno dono da autoridade
Esqueceu-se de nos dizer isso
Assim permaneceu sábio por toda Eternidade
pois O Pai conhece até as sustâncias
que lhe vão para o braço.




































CURSO

Fazer amor
Energias que vêm e vão em ações inebriantes
Os suores ficam doces como o mel
Os corpos fazendo sua própria fotossíntese











































DIVAGAÇÃO

Quem sabe um dia estes versos sejam interpretados
por grupos de acadêmicos interessados pela palavra
ou sejam esquecidos em estantes empoeiradas de bibliotecas
ou todos fiquem num só quarto
o papel velho oxidado
que não ruma para o lixo
enquanto eu vivo.








































ADIANTE

Esfrega em minha cara teu sexo
Desprezas ser objeto
Adoras ser o indigesto
Toca tua língua em meu plexo

Depreciar é a palavra de ação
Não mais alusão
Oferta-me teu seio imoral
Formulaste-o sempre teu mal
Difere de tudo o mal?
O mal está em tudo, ou tudo está mal?




































INSTANTE

Do topo dança nua
para o olho da rua
desinibida e desmedida
gradualmente despida
podendo pouco ser vista
dando toda a pista
sem efeito seduz
a sonhar com a luz
e quando rua me viu
celebrou e fugiu.





































MAIS UMA

Estudar doutrinas de um deus
Para ler as linhas da vida
Existência, essência compreendida
Praguejar o não mais ser ateu

Conhecer as hostes, potências, virtudes
Contemplar o trono do Sol e as estrelas
Um indecifrável símbolo a que tudo mude
E achar horrível os arquétipos da coisa bela

Uma certeza tamanha é
Que nunca nos abandona
Nos lampejos de dúvidas e fé

É perfeito e só o que Deus sanciona
Fazer o que a natureza quer
Nada mais funciona.






























REALIDADE

Por Philip Lux


Há os pais da dúvida e o Pai, sem dúvida!
Há a percepção, a formulação e há a palavra
Havendo a palavra há tudo
E havendo tudo, há a dúvida

































O SOL


por Philip Lux


O Sol expira Luz
A harmonia acolhe tudo o que nasce
A luz cai na Terra e sonha
Todos os sonhos se consistem
Da consistência, a vitalidade
Mundos outros nascem
O Sol inspira sua sombra
E permanece sempre sorrindo











































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